- "Olhe, eu estive a ouvir a conversa e acho que é excepcional, deve ser um excelente aluno. A forma como defendeu os seus argumentos foi brilhante... Mostra que tem princípios, os meus parabéns!"*
Uma das coisas que cedo aprendi foi que não é bom nós nos vitimizarmos. Nunca gostei de o fazer nem gosto que outros o façam, mas existem momentos em que não podemos deixar de olhar para as coisas como elas são, e expor sem medos que estamos a ser tratados sem o valor que merecemos. Durante o meu crescimento senti muito isso, apesar de raramente o demonstrar. Senti que tinha capacidades que não eram valorizadas nem reconhecidas, e que merecia ser tratado de forma diferente.
Sentia que tinha uma sensibilidade e uma maturidade para discutir certos assuntos algo diferente da maioria dos meus colegas. Senti que me interessava por coisas para as quais não me 'exigiam' que o fizesse. No entanto, independentemente de me exigirem ou não, eu apenas pedia que reconhecessem o meu interesse, o que nem sempre aconteceu.
Hoje já ultrapassei mais a fase de me comparar com outros e tento apenas tornar-me uma pessoa melhor e mais consciente. Isso implica ser crítico com o tudo o que me rodeia, característica que já a minha professora primária detectara em mim. Não sei se sou mais ou menos crítico e consciente do que aqueles que me rodeiam, mas sei que sou diferente deles.
É por isso que sabe muito bem ouvir coisas destas de vez em quando, ainda que seja mesmo muito de vez em quando. Saber que somos capazes de cativar o interesse e a atenção de uma pessoa que não nos conhece de lado nenhum para no fim recebermos um 'parabéns' é muito compensador e faz-nos esquecer todas as incompreensões por que passamos. Faz-nos concluir, por exemplo, que vale a pena continuar a questionar o que oiço e não simplesmente aceitá-lo só porque é a professora que o diz, ainda que isso me valha olhares de descrédito da minha colega do lado.
* adaptado a partir da minha memória
Hoje expor uma opinião minha, pode ser que consiga persuadir alguém.
O estudo do texto argumentativo nas aulas de filosofia e português obrigaram-me recentemente a puxar pela cabeça nos testes para dar o meu melhor nesta que esta é, possivelmente, a minha área forte. Naquelas composições onde por vezes o que se torna importante é fazer algo que o professor goste, e não aquilo que nós gostamos, lá encaixei tópicos como o poder da publicidade, do discurso político, etc.
A influência que as técnicas persuasivas têm na sociedade é muito grande, grande demais, digo sem qualquer dúvida. Ao contrário do que se poderia pensar, uma sociedade com mais liberdade e mais informação à sua disposição não é uma sociedade mais livre e mais informada. Isto é claro, e está à vista de todos.
Quando se pensa nestes assuntos é provável que nos lembremos da publicidade ou da política, como já referi, são os exemplos mais óbvios. Aborrece-me pensar nos miúdos que se deliciam a ver coisas como os Morangos com Açúcar. Ou nas mulheres que se fascinam a ler a revista Maria. Ou nos jovens que consumem álcool ou tabaco como ritual de iniciação. Devo dizer que minha mente repudia a forma como essas pessoas se deixam levar pela persuasão que vêm na televisão, ouvem na rádio, aprendem na escola, na família, onde quer que seja...
No entanto, até que ponto me julgo eu livre desta espécie de conspiração social que apela ao consumo e à ignorância? Quer seja mais ou menos, sou sempre condicionado pela música que passa na rádio. Pelo anúncio engraçado que passa no cinema. Pela t-shirt gira que não resisto a comprar. Não sou imune a nada disto e por mais que queira, não consigo deixar de fazer parte daquilo que considero ser uma degradação da sociedade.
Quando estamos sozinhos, a reflexão e o pensamento tornam-se mais presentes. E talvez seja por sempre ter crescido, e continuar a crescer, sozinho que fiquei mais atento ao que se passava à minha volta. Àquilo onde eu, bem ou mal, estou inserido. Não o escolhemos, mas o que é facto é que todos nós estamos inseridos numa comunidade. E como tal, somos sempre vulneráveis às suas características. E indo ao que interessa hoje, aos seus defeitos.
No outro dia encontrei o meu antigo professor de moral. Aquele homem que trocou uma carreira de sucesso, onde ganháva bem mais, pelo ensino de moral. Uma disciplina que é opcional e que tantas vezes é mal tratada e gozada pelos próprios alunos (que supostamente estão lá por escolha própria).
Falámos de mim e dos outros. De mim e do que me rodeia, da tal comunidade a que não posso fugir. E mesmo que não consiga fugir dos seus defeitos, consigo indentificá-los. Há quem nunca tenha pensado nisso, mas nos últimos tempos, a porcaria que caracteriza a minha sociedade não me saí da cabeça. E digo porcaria para não dizer merda. E se digo merda àquilo que caracteriza a minha sociedade, digo pessoas de merda. Andam aí, por todo o lado...
E quem melhor do que um professor de moral, para ver o que existe de amoral e de imoral nisto tudo. E quando tento defenir o «nisto tudo», chego à conclusão que «isto tudo» é mesmo isto tudo. É a existência humana. E secalhar tem mesmo de ser assim. Coisa em que felizmente (ainda) não consigo acreditar...
Mas eu era para falar do filme que o professor de moral me emprestou e acabei por me perder. Trata-se do filme alemão 'Os Edukadores' como já devem ter percebido. Mas o filme é isto mesmo, é a «porcaria» que caracteriza a sociedade em que vivemos, com a vantagem de aprofundar as relações pessoais que a caracterízam. As boas e as más. Apesar de alguns pormenores, tornou-se num dos meus filmes preferidos!
É um excelente filme para aqueles que não perdem muito tempo no hi5. Para esses, talvez não seja assim tão bom. =p
"-Viver nesta época devia ser espéctacular... Para os que viviam bem claro."
"-Todas as épocas são sempre boas para quem vive bem."
"-Sim, mas quem é que vive mal hoje?"
No outro dia fui ao Mosteiro dos Jerónimos. E foi lá que possivelmente falei com uma das pessoas que mais mal vive, das que conheci em toda a minha vida.
Alguns momentos antes, no Mac Donalds uma rapariga morena, jovem e bonita encontrou-me entre o seu caminho. Nunca gostei de virar a cara a ninguem, e por isso, também não gosto de virar a cara a quem me pede alguma coisa. Mas não sou como a maioria das pessoas que afirma não gostar, mas depois fá-lo com uma naturalidade genuína da sua consciencia. Apesar de eu também o fazer na rua, no metro... enfim, sempre que vou a Lisboa, não podia fazê-lo a ela. Eu a comer, e ela à espera do que quer que fosse, mesmo alí ao meu lado. Não dava para desviar o olhar. Tanto assim que aceitou os dez cêntimos que eu lhe dei.
Eu tinha a esperança que ela não os quisesse, e assim encontraria uma desculpa para a minha consicencia. Mas aceitou, e agradeceu. Não tive desculpa.
Infelizmente não senti muitos remorsos pelo que lhe tinha dado. Ela podia estar a mentir, podia apenas não querer trabalhar, podia várias coisas.
Pouco tempo depois, voltei a cruzar-me com ela no Mosteiro. Estava agora sentada num degrau mas com o mesmo olhar nu e opaco. Tive vontade de conhecer a vida dela. E como tive vontade, perguntei-lhe, depois de hesitar um pouco. E ela não teve poblemas em responder-me. Disse-me algumas coisas. Poucas mas muitas ao mesmo tempo, que pareceram tudo menos mentiras. Coisas que eu tinha vontade de resolver, de ajudar a ultrapassar. Mas a minha única ajuda, foram os dez cêntimos...
Se ela não tivesse que fugir da polícia, que proibia a mendicidade no Mosteiro, teria-lhe provavelmente dado mais algum dinheiro. Mas espero que o valor que lhe dei por uns minutos, lhe tenha servido de algo. Ela agradeceu, mas não sei.