22:19h. Provavelmente, mais de metade dos portugueses está neste momento à mesa, em família, a saborear a refeição preparada cuidadosamente durante a tarde. Os telefonemas e as mensagens já estão todas enviadas. Conversa-se, e a televisão está ligada num canal onde passa um filme a que poucos dão atenção. Recordam-se momentos, os mais novos esperam nervosamente pela meia-noite (os que esperam), e os mas velhos meditam sobre a quantidade de natais a que ainda assistirão. Nas famílias melhores partilham-se experiencias e aproveita-se para relembrar o amor que as ligam. Nas piores, faz-se o possível para evitar problemas, pelo menos nesta noite.
A minha ingenuidade leva-me a acreditar que até o marido alcoólico tenta hoje concentrar na família a sua atenção, e que o toxicodependente tenta reservar um pouco da sua noite para pensar no futuro. E os ladrões, roubarão hoje? E os doentes, será que a sua dor aliviará? E astronautas? E as crianças que são escravizadas na Índia, será que hoje trabalharam menos? E os maquinistas dos comboios, fechados numa cabine no meio do nada? E os pescadores, no meio do mar, estarão unicamente concentrados no pescado? E qual será o tipo de clientes que um taxista apanhará à meia-noite de hoje?
Sempre me surgiram estas dúvidas. Gostava de ser omnipresente, e observar sempre tudo o que me apetecesse, assim como oiço sempre qualquer música que me venha à cabeça quando estou no Youtube. Apetecia-me estar agora no Cabo Espichel, e saber o que estará o faroleiro a fazer. E nas estações meteorológicas, haverá alguém a estudar os dados climatéricos para que amanhã possamos ver as previsões na televisão? E depois seguir rapidamente para outro sitio qualquer. Estar em todo o lado, era a prenda que mais desejava, se calhar por ser impossível...
Mas será que esta magia natalícia que eu sinto está presente em todo o lado? Sei que não. E não são só os sem-abrigo que não a sentem, como por vezes esta sociedade de olhos fechados quer fazer passar. Sei que haverá permanentemente alguém a sofrer, a chorar, e a nascer e a matar. Se calhar mesmo ao nosso lado. E se calhar até são algumas dessas coisas que uma parte de nós está a fazer, sem que demos por isso. Este estado de espírito que sinto e que sentem aqueles que estão à minha volta é apenas um sentimento. Um sentimento tal como outros, que por mais que gostasse, não é universal.
Sinto-me bem por poder senti-lo, e sinto-me mal por haver quem não o possa sentir.
Feliz natal!
É curioso como eu fico sempre com aquela dor de barriga característica do nervosismo quando estou prestes a ver o meu novo horário escolar. Mas fico mesmo. Mais do que quando se trata de conhecer a turma (talvez por já saber que será a mesma de sempre).
Dentro de uma semana começa a etapa 11 de uma caminhada que não sei onde terminará. E por isso apetece-me falar do ano passado. Ficava bem se eu escrevesse agora que o 10º ano tinha sido fantástico, que tinha conhecido amigos que esperava nunca mais perder, e que foi tudo muito bom de recordar. Mas não foi.
As pessoas foram as mesmas de sempre, e se houve novas entradas, não representaram certamente algo de bom para a turma. Mas a própria definição de turma é muito difícil de se fazer. «Turma» faz-nos lembrar um grupo de pessoas mais ou menos amigas que se dão bem, e que são unidas devido ao facto de passaram meses obrigatoriamente juntos.
No meu caso, esse facto não implicou a união. Mas a própria união é difícil quando estamos no meio de pessoas que se acham superiores a outras, em que a vontade de querer ser adultos os leva a fazer infantilidades a toda a hora, e que, na minha opinião, são totalmente desinteressantes enquanto pessoas (grande parte).
Mas esta definição pode assustar demasiado. Na maior parte dos dias o ambiente nas salas era aparentemente bom, em que todos se dão bem. Ainda que para isso fosse preciso um emaranhado de intrigas e falsas aparências entre eles. Mas não vou perder mais tempo com gente pequenina, senão corro o risco de parecer uma daquelas raparigas deprimidas que gostam muito de Tokio Hotel.
Apesar de tudo, houve momentos bons. As horas que passei a provocar as professoras de geografia e história. O pouco jeito da professora de inglês. A vontade de «dinamizar» da professora de espanhol. As piadas e secas do professor de filosofia. As completamente secas da professora de história. O kisomba da professora de geografia... Quanto a português e ed. física, não há muito para dizer. Foi um ano que não correu pelo melhor à professora português, e sobre ed. física apenas posso dizer que sou incompatível.
Na próxima semana regressam estas coisas todas, as más, as pouco más, e as boas. Já estou a imaginar que passaremos o primeiro período a elaborar uma planta da sala que evite as conversas, mas que depois não dá em nada... Que o director de turma gaste as primeiras aulas a descrever os seus anseios para este novo ano (este é que vai ser o importante), entre outras coisas muito fascinantes. E deixo ainda um palpite, qualquer coisa me diz que não voltarei a ser eleito para o importante cargo de delegado de turma... =D
[Para breve um post sobre o Avante]
"Oh, avó é que neste fim de semana eu vou acampar à Festa do Avante..."
"Avante?... Isso não é dos comunistas?"
"Sim, é."
"Ah, tu és comunista?..."
"...Ficaste decepcionada?"
"Não, é que muita gente que não gosta deles. Eu gosto do Paulo Portas, sabe falar. Não é da esquerda nem da direita. E daqui pouco vai dar o debate dele, não é?"
"Ele é o mais à direita avó..."
"Mais à direita?"
Ontem perdi um comboio por ficar a falar com um velho alentejano comunista (daqueles de ideologia obstinada devido à pobreza e dependência por que passaram).
Hoje desci mais uns pontos na consideração da minha avó porque, no pensamento dela (pensamento esse que não me apeteceu esclarecer), sou comunista.
A guerra de ideologias é realmente do pior que existe. Uma ideologia é sempre questionável, mas é capaz de limitar o pensamento. É capaz de limitar o pensamento da minha avó que não se apercebe que está manipulada por desinformação que nem precisa de muito para lhe convencer que o comunismo é uma coisa horrível e temível. Não deixa de ter desculpa, já que é politicamente ignorante.
E é também capaz de limitar o pensamento do velho senhor que, apesar de ter sofrido com o fascismo no passado, continua a sofrer com ele no presente. Isto porque não lhe permite fazer uma avaliação imparcial das orientações políticas, e o leva a escolher mecanicamente a opção que lhe parece oposta ao fascismo, o comunismo. Isto além de o conseguir fazer desculpar coisas como a falta de direitos humanos na China, ou o atraso que se vivia na União Soviética.
Enfim.
Esta última minha ausência foi motivada pela falta de vontade de escrever o que quer que fosse. Provavelmente devido à morte do meu avô. Podia falar da minha escassa sensibilidade, ou da suposta racionalidade com que enfrento os problemas mais sentimentais, aquela que as outras pessoas geralmente perdem, ou têm dificuldade em manter.
Mas não vou escrever sobre nada disso, até porque cada pessoa encara estas circunstâncias da melhor forma que consegue.
A morte é algo tão natural como a vida. Por isso mesmo não devemos perder muito tempo a lamentarmo-nos com coisas que não dependeram de nós próprios. As outras, as coisas que dependem, merecem muito mais atenção.
E melhorarmo-nos a cada dia, apenas de nós depende. Hoje tive oportunidade de fazer das coisas que mais gosto me dá, debater. Debati com personalidades relevantes, um assunto importante. Não a discussão vulgar do dia-a-dia, que pouca ou nenhuma credibilidade nos dá.
Debater dá a oportunidade de nos mostrarmo-nos aos outros, mostrando aquilo que consideramos ser o melhor de nós. E deste modo, não pode haver melhor coisa que ser elogiado num debate. Elogiado por pessoas com experiências de vida. E não só pelas palavras mas também pela pessoa que sou. Sinto-me diferente dos outros. Sinto-me contente!