- "Olhe, eu estive a ouvir a conversa e acho que é excepcional, deve ser um excelente aluno. A forma como defendeu os seus argumentos foi brilhante... Mostra que tem princípios, os meus parabéns!"*
Uma das coisas que cedo aprendi foi que não é bom nós nos vitimizarmos. Nunca gostei de o fazer nem gosto que outros o façam, mas existem momentos em que não podemos deixar de olhar para as coisas como elas são, e expor sem medos que estamos a ser tratados sem o valor que merecemos. Durante o meu crescimento senti muito isso, apesar de raramente o demonstrar. Senti que tinha capacidades que não eram valorizadas nem reconhecidas, e que merecia ser tratado de forma diferente.
Sentia que tinha uma sensibilidade e uma maturidade para discutir certos assuntos algo diferente da maioria dos meus colegas. Senti que me interessava por coisas para as quais não me 'exigiam' que o fizesse. No entanto, independentemente de me exigirem ou não, eu apenas pedia que reconhecessem o meu interesse, o que nem sempre aconteceu.
Hoje já ultrapassei mais a fase de me comparar com outros e tento apenas tornar-me uma pessoa melhor e mais consciente. Isso implica ser crítico com o tudo o que me rodeia, característica que já a minha professora primária detectara em mim. Não sei se sou mais ou menos crítico e consciente do que aqueles que me rodeiam, mas sei que sou diferente deles.
É por isso que sabe muito bem ouvir coisas destas de vez em quando, ainda que seja mesmo muito de vez em quando. Saber que somos capazes de cativar o interesse e a atenção de uma pessoa que não nos conhece de lado nenhum para no fim recebermos um 'parabéns' é muito compensador e faz-nos esquecer todas as incompreensões por que passamos. Faz-nos concluir, por exemplo, que vale a pena continuar a questionar o que oiço e não simplesmente aceitá-lo só porque é a professora que o diz, ainda que isso me valha olhares de descrédito da minha colega do lado.
* adaptado a partir da minha memória
Na manhã de terça-feira o meu telemóvel alertou-me para um notificação invulgar. Não era o despertador, nem uma mensagem, nem uma chamada. Era um lembrete e dizia '25 de janeiro de 2010 - aula de espanhol cervantes'. Sem hesitações, percebi do que se tratava.
Há um ano atrás, algures numa (das muitas) pouco entusiasmante aula de espanhol (aquela em particular dedicada ao estudo do Cervantes), pus-me a pensar no que estaria a fazer exacatamente um ano depois. Estaria numa aula um pouco mais estimulante? Resolvi brincar com o tempo e pus um lembrete no telemóvel para o ano seguinte.
Se há coisa em que tenho pensado ultimamente é no tempo. Penso no hoje, no ontem, no amanhã. A imprevisibilidade do futuro divide-me entre o receio e o entusiasmo. Ao contrário, a reflexão do passado leva-me sempre a comparações, a julgar e a avaliar o que fiz e o que poderia ter feito. Gosto de pensar no que sei hoje que não sabia ontem, em como esse desconhecimento me pode ter levado a tomar esta ou aquela atitude, algumas vezes de forma inútil, outras de forma proveitosa, e noutras ainda de forma simplesmente insignificante.
É agora engraçado perceber como pequenas atitudes ou acontecimentos podem condicionar toda a nossa vida, e fazem-no sem que demos por isso. Todos os dias me lamento dos meus dias serem sempre a mesma coisa. Mas, se são, podiam não ser, e sei que algum dia chegará aquele em que não será. A cada momento estamos vulneráveis a que qualquer coisa entre pela nossa vida adentro, que seja uma pessoa, uma doença, uma ideia, qualquer coisa... A singularidade de cada momento é de certa forma fascinante.
Hoje gosto de recordar certos momentos em que me estavam a acontecer coisas sem saber. Quer sejam importantes (como no dia em que visitei uma redacção de um jornal e apaixonei-me pelo jornalismo a partir daí) ou nem tanto (como naquelas vezes em que acompanhei o meu pai a casa de uma cliente que mais tarde veio a estar envolvida num tiroteio que resultou na morte do filho). Hoje acho piada a estas coisas, talvez amanhã nem por isso...
Hoje é um dia especial. Na altura não escrevi nada aqui no blog, mas o que é facto é que já cheguei à maioridade, como se percebe no post anterior. Nunca apreciei muito os aniversários, a idade é uma coisa que verdadeiramente me assusta. Os 18 trazem com eles desafios que nunca mais acabam, e nem quero pensar se estarei à altura de realizar muitos deles. Mas também trazem coisas boas, e hoje chega a primeira daquelas que posso sentir na pele.
Após alguns anos a influênciar outros a fazê-lo, hoje vou votar, e gosto de pensar que o meu voto faz a diferença! Já falta pouco!
:D
Fazer a história da própria vida, registando aquilo que nos marcou, influenciou, e nos levou a ser o que hoje somos é sempre um exercício muito ingrato, ainda mais quando é feito na primeira pessoa. Aquilo que tenho na memória não vai além de acontecimentos mais ou menos recentes, ou momentos marcantes do passado. Mas quando me tento recordar de algo anterior aos meus 7 anos idade, por exemplo, já é difícil entender o que é realmente uma memória sensorial ou uma associação posterior a um elemento exterior, como uma fotografia.
De qualquer forma, vou tentar fazer uma espécie de auto-biografia, recorrendo a informações que vão para além da minha memória pessoal.
Nasci na manhã do dia 4 de Janeiro de 1993, no seio de uma família portuguesa, conservadora, de classe média-baixa. Penso que a minha mãe preferiria ter filhos mais tarde, mas de qualquer maneira tudo me leva a crer que o meu nascimento foi planeado e desejado. No meio intra-uterino não disponho de qualquer informação que possa ter condicionado o meu desenvolvimento. Apenas sei que a minha mãe sempre foi uma grávida muito activa, nunca se tendo coibido de fazer o que quer que fosse durante a gravidez. O meu pai era fumador na época.
Fui o primeiro e único filho dos meus pais, o primeiro neto dos meus avôs (tanto paternos como maternos), e também o primeiro bisneto dos meus bisavós (na altura 3 deles ainda vivos) .É de crer que tenha sido bem recebido e bastante bem acolhido. Calculo, a partir de fotografias e filmes, que toda a família tinha demonstrado gestos de amor e carinho por mim.
Penso ter tido um desenvolvimento normal, tendo aprendido a falar e a andar na altura normal. No entanto, devido ao facto da minha mãe ter uma loja por conta própria, nunca teve necessidade de me colocar num infantário ou jardim-de-infância. Até aos 6 anos a minha sociabilidade limitou-se ao núcleo familiar, em especial com a mãe, com quem passava os dias. Pela positiva, existe a destacar a estimulação que recebi, fazendo muitos jogos e brincadeiras próprias da idade (ou até de idade mais avançada). Penso que isso foi positivo porque quando entrei para a escola primária aos 6 anos já sabia escrever as letras, os números e muitas palavras. Recordo-me que adorava cadernos e blocos de papel. Gostava muito de escrever, simular a minha assinatura e preenchimento de folhas, assim como desenhar.
Apesar disso, a minha convivência com os outros ficou limitada. Era uma criança reservada, calma, talvez até introvertida e tímida. Quando na loja da minha mãe entrava alguma criança da minha idade refugiava-me noutro local. Sei que nos primeiros anos de infância brincava com alguns primos meus, mas todos eles bastante mais velhos. A pessoa com quem brincava mais era a minha tia materna, apenas 5 anos mais velha. As minhas brincadeiras preferidas eram legos, puzzles e construir cidades em miniatura. Estas cidades eram bastante complexas, chegando a ter canalizações de água e iluminações no natal, e com vários habitantes, cada um deles com uma história de vida associada. Além disso, foi também nestas cidades que surgiu um caricato gosto meu, fazer miniaturas de placas sinaléticas e sinais de trânsito. Penso que isto revela o meu perfeccionismo e a complexidade da minha personalidade, características que adquiri desde cedo.
(...)
O primeiro dia de escola deve ter sido provavelmente o meu primeiro confronto com a ansiedade, a par dos dias em que levava vacinas. Ao contrário do que se pode presumir, a educação dada pela minha mãe não foi muito protegida, tendo desde cedo adquirido regras (tais como não fazer birras em público, chegando a repudiar as crianças que o faziam). Apesar disso, até correu bem segundo me lembro, e o receio deu lugar à expectativa.
Não me recordo dos primeiros dias de escola, mas sei que criei afinidades com colegas com alguma facilidade, surpreendentemente. No entanto, os meus gostos nunca passaram por jogar futebol nos intervalos, e por isso passava alguns tempos mortos e solitários nos recreios. Preferia fazer jogos ou ler jornais, por exemplo. Era bastante reconhecido e admirado pelos meus colegas porque desde cedo me destaquei como bom e melhor aluno, tendo terminado o 4º ano com um prémio da minha escola primária destinado ao melhor aluno e aluna de cada ano. A minha disciplina preferida era o estudo do meio, seguindo-se a matemática e por fim a língua portuguesa. Tinha grandes capacidades para o desenho, ao contrário do que sentia na actividade desportiva.
Foi também nesta altura, aproximadamente, que se deu um acontecimento que penso ter-me marcado e influenciado. Como referi anteriormente, sempre gostei de ler o jornal local que recebia em casa e havia na escola, tendo até chegado a criar o meu próprio jornal, composto por fragmentos transcritos de noticias e fotografias recortadas, que depois colava em folhas em branco.
Devido ao facto do meu pai ser electricista, numa determinada altura estava a fazer uns trabalhos na redacção/estúdio do jornal e rádio locais, que funcionavam no mesmo local. Por qualquer razão, eu acompanhei-o num desses dias e fiquei fascinado ao encontrar-me no sitio onde era feito o jornal que eu lia e a rádio que ouvia. Recordo-me de corrigir erros ortográficos de uma edição do jornal antes de ser fechada, tarefa que os jornalistas me entregaram por simpatia. A partir daí desenvolveu-se uma certa «paixão» pelo jornalismo, e a ideia de criar o meu próprio jornal nunca mais saiu do meu pensamento.
Outra das marcas do meu crescimento foi também uma atracção pelo negócio. Começou por volta dos 6 anos, onde elaborava uma revista publicitária periódica onde desenhava e promovia alguns produtos da loja da minha mãe, que depois divulgava junto da minha avó paterna, encarregando-me depois de todo o processo de pagamento e entrega. Já por volta dos 9 anos aprendi na escola a fazer cestos em papel, imitando verga. Nos meus tempos livres tratava de fabricar mais cestos que depois comercializava junto dos familiares.
Aos 10 anos terminei o primeiro ciclo e segui com todos os meus colegas para a escola preparatória. Foi uma adaptação difícil, pois nesta altura vi-me pela primeira vez com falta de amigos e senti-me bastante fragilizado. Passei por momentos menos bons, mas o tempo foi passando e quando cheguei ao 7º ano a minha vida começou a orientar-se. Conheci alguns colegas novos, e criei algumas amizades, especialmente com raparigas. Dessa altura, recordo-me perfeitamente de considerar a grande maioria dos meus colegas rapazes totalmente imaturos e infantis. Foi também nesta idade que descobri em mim sentimentos novos como o amor, o gosto pela sociabilidade, o desejo de desprender-me totalmente da infância, e a necessidade de autonomia face aos meus pais (mãe em especial), ou seja, senti-me a crescer e a pensar de forma independente e adulta. Interessei-me por política, defini gostos musicais, e comecei a planear o futuro com autonomia.
Durante este período mantive-me bom aluno, apesar de ter descoberto uma grande fragilidade no inglês e francês, e ter perdido a facilidade que sentia anteriormente na matemática. Imaginava-me arquitecto, e pretendia seguir artes visuais no secundário.
Outro dos grandes momentos marcantes do meu crescimento deu-se nesta época. Como ficou claro, a ideia de fazer um jornal meu nunca me largou, tanto assim foi que não perdi a primeira oportunidade. A poucos dias de completar 12 anos, em Dezembro, recebi o muito ansiado computador. A 26 de Janeiro saia a primeira edição do «Notícias do Concelho», tendo como manchete a entrevista ao presidente da junta de freguesia (por sinal meu primo), as restantes notícias eram feitas a partir dos outros jornais locais. O jornal era impresso numa gráfica em folhas A4 e depois distribuídas aos meus familiares, tendo uma periodicidade de um mês aproximadamente. Por algum conjunto de circunstâncias, e apesar de ter sofrido inúmeros contratempos, o jornal manteve-se, e com o tempo passei eu próprio a deslocar-me aos locais de reportagem e a elaborar as minhas próprias notícias.
Passaram-se longos meses, e a popularidade do jornal não parava de crescer. Ao fim de dois anos já havia 50 assinantes fixos, e eu já me relacionava com há vontade junto dos outros jornalistas e políticos locais, tendo feito várias entrevistas com presidentes de junta, da câmara municipal e outras entidades. Devido a esse facto, e derivado de estar inserido no meio jornalístico, não consegui evitar (apesar de bem ter tentado) a difusão do meu jornal junto dos restantes órgãos de comunicação. Foi assim que eu próprio fui notícia junto de jornais locais, rádios locais, jornais nacionais, até culminar nas televisões. Não me senti bem com tanta exposição mediática, até porque nunca o desejei, e recusei alguns outros convites televisivos, tendo apenas aceite dois deles pelo facto de terem sido oportunidades únicas que registarei para sempre. Como nota final, resta acrescentar que esta foi a minha mais recente forma de fazer negócios, tendo tido ainda outra experiencia do tipo uns anos antes quando comercializava gomas e doces que comprava junto à escola, e que vendia depois aos meus familiares, em especial às avós.
O meu jornal findou um ano depois, aproximadamente, não por falta de vontade, mas devido ao enorme esforço que já exigia da minha parte. A única influência em mim que esta fase da minha vida pode ter tido, foi a de me fazer trocar os planos da arquitectura pelo jornalismo. Assim, no 10º ano e após ter concluído os exames nacionais como bons resultados, prossegui estudos na área de línguas e humanidades.
(...)
Continuei tendo boas notas e recebi diplomas de mérito pelo 10 e 11º anos. Com fases de maior e menor frustração, o tempo foi passando, e progressivamente os planos para o futuro foram ocupando a minha cabeça, servindo também como uma «fuga adiada» do presente. Comecei a procurar faculdades, calcular médias, poupar dinheiro, projectar o que a vida me reserva... Ao mesmo tempo, e não deixando de considerar que foram anos algo «desperdiçados», continuei a ter uma vida social minimamente normal, e fui-me tornando cada vez mais adulto. Paralelamente, a minha mente nunca deixa de pensar e faço permanentemente uma avaliação de tudo. De mim, dos outros, da vida. Descobri novos gostos, larguei alguns, e reforcei outros. Tenho tentado construir uma conduta moral e descodificar o sentido da vida. A política, a religião, o existencialismo, e o relativismo são temas que me ocupam muitas vezes o espírito, em algumas dessas vezes de forma intensa e contraditórios entre si.
Hoje acabei de completar 18 anos, estou prestes a iniciar uma nova fase da minha vida, e em linguagem menos científica, espera-se de mim que tenha completado o meu crescimento, que a partir de agora esteja à altura de assumir mais responsabilidades, em particular em todos os actos e posições que venha a tomar. Atingi a maioridade legal, mas no entanto sinto-me ainda bastante imaturo no meu desenvolvimento intelectual, entre outros. Continuo diariamente a colocar questões a mim mesmo, a questionar tudo o que me rodeia e a olhar para a vida com a sensação que ainda não sei nada do mundo. No entanto, também tenho consciência do meu valor e, agora, posso olhar para trás e orgulhar-me de tudo aquilo que consegui até hoje, de tudo o que, de bom ou de mau, me levou a ser aquilo que sou neste momento.
(o essencial...
6 de Janeiro de 2011)